domingo, 30 de agosto de 2009

Dez dicas de manejo dos distúrbios ácido-base


1) Bicarbonato sérico, PCO arterial e pH normais não necessariamente descartam a presença de um distúrbio ácido-básico. O pH final é determinado pela razão entre o bicarbonato e a PCO2. Os termos "acidemia" e "alcalemia" representam somente as mudanças nos valores do PH, enquanto os termos "acidose" e "alcalose" denotam processos patológicos subjacentes. Ou seja: pode exister alcalose sem alcalemia e acidose sem acidemia. Sempre se lembre de colher sangue simultaneamente de leito arterial, para análise gasométrica, e do sistema venoso, para um perfil metabólico básico que permita a interpretação de distúrbios ácido-base.

2) Sempre calcule o ânion gap sérico - sem esse cálculo, o distúrbio ácido-básico pode não ter sua etiologia reconhecida. Ao calcular o ânion gap, preste atenção nos valores da albumina sérica, que podem influenciar significativamente os valores finais. Para cada queda de 1g/dL abaixo de 4,4 g/dL na albumina sérica, há uma redução equivalente de 2,5 mEq/L no ânion gap.
No caso de ânion gap aumentado, a razão entre o ânion gap e o HCO3- deve ser calculada - a relação menor que 1,0 sugere acidose mista, com ânion gap aumentado e com ânion gap normal. Relação maior que 2,0 sugere alcalose metabólico coexistente. Aumentos do hiato aniônico podem também ser encontrados em estados não acidóticos, como na alcalose metabólica e na alcalose respiratória. Hiato aniônico maior que 3 a 5 mEq/L é, porém, incomum.

3) Sempre cheque se há a compensação adequada - isso o ajuda a detectar distúrbios mistos. Sub ou supercompensação não podem ocorrer - tal fato só pode configurar uma outra desordem ácido-básica primária associada. Qualquer combinação de distúrbios ácido-base é passível de ocorrer, à exceção de acidose respiratória associada a alcalose respiratória. Em distúrbios mistos, as decisões terapêuticas devem se basear nos níveis do pH.

4) Estas são as fórmulas para a detecção da compensação esperada:



Como é preciso saber na ponta da língua as 4 fórmulas para as mudanças compensatórias esperadas nas desordens respiratórias, a regra do 1 a 4 pode servir de macete para uma lembrança mais fácil.

5) O ânion gap urinário pode ser útil para que se possa fazer a diferenciação entre causas gastrointestinais ou renais de acidose metabólica hiperclorêmica. Um hiato aniônico urinário negativo sugere perda de bicarbonato pelo trato GI (ex.: diarréia); um hiato aniônico positivo sugere distúrbio da acidificação renal distal (ex.: acidose tubular renal distal). O ânion gap urinário não é útil se houver hipovolemia com sódio urinário menor que 25 mEq/L.

6) Em estágios iniciais da insuficiência renal crônica (com TFG menor que 40 mL/min), acidose metabólica com ânion gap normal pode se tornar evidente e, com a progressão da doença (com TFG menores que 20 mL/min), já pode ser vista acidose metabólica com ânion gap aumentado. Bicarbonato sérico menor que 10 mEq/L e ânion gap maior que 20 mEq/L são incomuns na insuficiência renal e podem indicar um processo patológico diferente coexistente, como a cetoacidose ou a acidose lática.

7) Acidose lática que exceda 4-5 mmol/L em um paciente acidótico pode ser considerada significativa. O nível de lactato pode exceder 12 mmol/L durante crises epilépticas tônico-clônicas generalizadas (do tipo "grande mal"). Acidose lática induzida por drogas pode ser encontrada se houver uso prévio de metformina, isoniazida e alguns anti-retrovirais.

8) Em adultos, intoxicação por salicilatos pode resultar em distúrbio misto: acidose metabólica com alcolase respiratória; em crianças, encontra-se somente acidose metabólica.

9) Cetoacidose diabética, cetoacidose alcoólica, acidose lática e insuficiência renal crônica (porém não a IRA) são causas muito mais comuns de aumento no hiato osmolar sérico do que intoxicações por etileno-glicol ou metanol. O hiato osmolar sérico aumentado pode ser visto sem a coexistência de acidose metabólica, como, por exemplo, com o uso de álcool isopropílico ou de manitol.

10) Gap osmolar sérico maior ou igual a 25 mOsm/kg, na ausência de causas evidentes, pode fortemente sugerir intoxicação por metanol ou etileno-glicol. Terapia profilática com fomepizol ou etanol pode ser iniciada para prevenir a formação de metabólitos tóxicos, enquanto se aguarda o resultado dos exames laboratoriais. Assim que os compostos similares são metabolizados, o gap osmolar desaparece, mas o hiato aniônico permanece - ou seja, um hiato osmolar normal não é suficiente para descartar a presença de intoxicação por etileno-glicol ou metanol.

Para usar calculadoras para o uso mais fácil dessas fórmulas, visite os links abaixo:

1. Hiato Osmolar Sérico (Universidade de Iowa)
2. Ânion Gap Sérico (Global RPH)
3. Ânion Gap Sérico (MDCalc)
5. Diagrama ácido-base (Tulane University Department od Anesthesiology) com interpretação precisa do distúrbio
Referência interessante:
1. Tutorial de Fisiologia Ácido-básica com 11 capítulos, feito por Kerry Brandis, Professor de Anestesiologia do Hospital Gold Coast de Queensland, na Austrália, do site http://www.anaesthesiaMCQ.com/ - classificado como "excelente" pela American Thoracic Society.


Bom proveito!!